Pastoral da Criança.... Sinto-me honrado em homenagear este projeto que está completando vinte e cinco anos de caminhada, com o protagonismo voluntário de mulheres líderes das comunidades católicas de Canoas, verdadeiras missionárias da solidariedade, cuidando e protegendo vidas de mães gestantes, de mães nutrizes e de crianças amorosamente acompanhadas em seu crescimento, muitas destas superando a desnutrição e a subnutrição.
O berço que gerou e embalou esta linda e frutuosa caminhada está vinculado à história das comunidades eclesiais de base e do movimento popular das ocupações da Grande Mathias Velho. No início dos anos oitenta, muitos sem-terra urbanos de Canoas não se conformaram em viver em casebres no fundo dos pátios e nas favelas da Rua República e do Guabiju. Em um ato de fé concreta, estimulados pela história da família de Nazaré, onde José e Maria invadiram uma estrebaria de animais para Jesus nascer, ocuparam a granja de arroz e a área do antigo prado para iniciar vida-nova, organizando-se em Associações de Moradores que não só resistiram as tentativas de despejo do poder público como na Santo Operário; resistiram a ganância dos proprietários utilizando-se se jagunços para incendiar casas na União dos Operários.
Muito mais, souberam na omissão do poder público construir estes loteamentos com ruas e quadras sob regras decididas em assembléias. É neste contexto que também foi organizada uma dezena de comunidades eclesiais e estas aos poucos contaminaram outra dezena de comunidades da grande Mathias, iniciando-se uma bela caminhada protagonizada pelas mães nos serviços de confecção de vestuários e acolchoados, hortas comunitárias, fornos comunitários, clubinhos das crianças e, em dezembro de 1984, o serviço da Pastoral da Criança. Convivendo com o barro, a poeira e a umidade, mas sonhando com ruas asfaltadas que após trinta anos ainda é realidade para poucos; a precariedade das casas, a falta de trabalho e emprego para o ganha-pão, a ausência de escolas e postos de saúde apesar das mobilizações e lutas... tudo era suavizado e superado pela solidariedade e partilha do pouco de cada uma, como na multiplicação dos pães de Jesus. Nas palavras da líder Ângela Maria Ávila, moradora da Rua São João, no jornal Mães Unidas Voz da Libertação de julho de 1985: “....sou uma das líderes da Pastoral da Criança e estou escrevendo para dizer que na nossa rua a pesagem está indo bem. O mais importante é que as mães perguntam o que é que nós vamos dar para as crianças, para os seus filhos. Fico com vergonha porque não tenho nada para dar. Todas as mães são pobres e nós fazemos o possível para ajudar, mas isto não é suficiente porque nós precisamos de leite, farinha e sementes. Também precisamos de roupas, remédios para febre.”
Esta foi a Pastoral da Criança das Origens. Mães líderes que conheciam e se indignavam com a situação de cada morador de sua rua, fomentando a solidariedade para que a ninguém faltasse comida e pão; com muita paciência convenciam para pesarem as crianças no grupo da comunidade; todas as mães nutrizes aprendiam que a relação peso e idade era parâmetro de saúde; que era preciso espaçar os partos para garantir filhos mais nutridos e mães mais saudáveis; que a amamentação era o melhor remédio para o bebê; socializavam conhecimentos e práticas medicinais milenares do uso de ervas e chás, da multimistura como complemento nutricional feito com as sobras; fomentavam a solidariedade para que a ninguém faltasse comida e saúde, mas que também era preciso garantir os direitos da cidadania.
Passados seis meses como está indo a Pastoral da Criança?”, faz um pequeno balanço este informativo: “As mães colocaram tudo o que estão fazendo: pesando crianças, incentivando hortas, melhorando a alimentação através de farinhas integrais, reunindo as mães gestantes, vendo se as crianças estão se vacinando. Resultado: 1250 crianças cadastradas, mais de setecentas pesadas e destas, 100 abaixo do peso e outras 100 no limite”. Recolhi em meus tesouros desta época, um relatório de 1985 da Vila União dos Operários com suas três comunidades (Divino Mestre, Romeiros e N. Sra. Aparecida), com 751 crianças de 0 a 5 anos e 11 meses, 56 mães gestantes e 88 mães nutrizes. Um mais detalhado da Comunidade Jesus Operário na Santo Operário, com o nome, idade e endereço de 345 crianças, 13 gestantes e 75 nutrizes.
Por que todo este detalhamento que mais tarde tornava-se mais fácil com os Cadernos de Controle da Pesagem que o programa fornece às líderes? Estamos em 1986, toda a sociedade brasileira discutia e elegia os deputados constituintes, mas também apresentava propostas de políticas públicas para verem garantidas na nova constituição cidadã. Em Canoas, as Associações nas áreas de ocupação haviam criada a UAMCA. Nos debates desta com o poder público, após as eleições municipais de 1985, formou-se na área da saúde a CIMS: Comissão Interinstitucional Municipal da Saúde, reunindo sociedade civil e poder público. E lá estava a Pastoral da Criança. Aliás, se em 1985 se registra no jornal Mães Unidas Voz da Libertação ‘Pastoral da Criança”, em 1986 se registra “Pastoral da Saúde da Criança”.
Em histórico documento encaminhado ao Dr. Jacques Fainghs, Coordenador da CIMS, em outubro de 1986, num debate sobre concepção de política pública de saúde, temos o conceito de saúde que a PACRI defendia. Este docuemtno havia sido construído e debatido em seis assembléias, reunindo 323 lideranças, das quais temos aqui os originais da lista de presenças. Inicia o documento: “Nós da Pastoral da Saúde da Criança, projeto UNICEF-IGREJA, que estamos de forma participativa junto às comunidades das Vilas Santo Operário e União dos Operários, buscando uma forma alternativa para enfrentarmos os problemas decorrentes de nossa situação de vida, e, que nos organizamos, através do apoio dos Clubes de Mães, ligados às CEBs, onde foram escolhidas mães- líderes-verdadeiras lutadoras do povo. Estas lideranças foram capacitadas, através de encontros realizados em várias etapas, onde procurou-se resgatar e valorizar o conhecimento de Medicina Popular; ervas, chás e xaropes; e que entendemos por Saúde como busca de uma melhor qualidade de vida: terra, moradia, água, esgoto, emprego, salários justos” Uma noção ampla de saúde ligada à vida, defendida na melhor tradição dos movimentos populares e sacramentada na constituição de 1988 no capitulo da proteção social, nos conceitos integrados e articulados de das políticas públicas da assistência social, saúde e seguridade, no âmbito dos direitos sociais, ao lado do direito ao trabalho, habitação e outro importante na época defendido pelas mães-líderes, o de alimentação, recentemente incorporado no período do governo LULA. O documento finalizava com uma postura crítica na condução da Comissão de então, afirmando que “ ocupou-se lideranças em discussões que não levaram a nada, não modificaram nada, não fizeram o povo crescer na sua organização e na sua caminhada de conquista da saúde”. Esta caminhada deu legitimidade a PACRI compôr o Conselho Municipal de Saúde e posteriormente o da Criança e do Adolescente e, recentemente o de segurança Alimentar e Nutricional.
Acompanhando os registros nos boletins de 1987 e 1988, vemos a PACRI avançando no Bairro Fátima e junto á ocupação do Guajuviras, minha cara Irmã Gema das Irmãs da Divina Providência que acompanharam desde o início da caminhada nestas regiões. Vemos sua referência de implantação nas comunidades das vilas mais pobres da grande Porto Alegre, nas cidades do interior do estado e nos acampamentos e assentamentos do Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Sem Terra pelo Rio Grande afora. Temos hoje aqui presente, várias mães que foram missionárias voluntárias desta caminhada, como dona Eva Silveira Alves.
Mas, com certeza, todas vocês mães líderes destas comunidades, mães mestras e discípulas, em algum momento acolheram em vossas casas e comunidades tantas outras mães de todo o estado, de outros estados do Brasil e até do exterior, que aq1ui vieram conhecer a moda brasileira deste modelo de organização social e eclesial, idealizado por muitos agentes de pastoral como Ir. Antônio Cechin, MatildeCechin, Doutora Maria da Graça Falkenbach, Zilda Arns que não só encaminhavam a implantação deste programa das Nações Unidas, mas conhecerem as tecnologias populares das políticas de saúde e educação em Cuba, em particular o Programa “Educa tu Hijo”, para criarem esta versão brasileira assumida desde seu início peal CNBB e tornada referência em outros países em missão católica do mundo, particularmente de áfrica e Ásia.
Desculpem ater-me nesta homenagem aos seus primórdios, mas é desta etapa que eu mais convivi. Penso que a acolhida e carinho que vocÊs lídres tem cotidianamente com os pequeninos de 0 a 5 anos e 11 meses, eu o tenho com muito apreço para este primeiros cinco anos da PACRi que ajudei e embalar em nosas comunidades. Posso testemunhar, no entanto, sua presença forte em todas as demais vilas empobrecidas de Canoas, atualmente articulada em várias Paróquias no Vicariato de Canoas e ainda hoje necessária em sua missão, pois ainda convivemos com amplos setores que vivem em ocupações ou nos fundos de pátios de nossas vila e bairros de Canos, Esteio Sapucaí do Sul e Nova Santa Rita, necessitando de serem acompanhadas em suas necessidades e estimuladas a se organizarem rumo a cidadania. A PACRI cresceu muito em suas parcerias com programas públicos e, no governo LULA, com possibilidade de convênios com programas do governo federal, na área da saúde e da segurança alimentar. Certamente, agora no governo municipal Jairo Jorge, faço votos que as parcerias tenham o crescimento do tamanho necessário com todas as políticas municipais, em particular as de saúde, assistência social e segurança alimentar. Sou parceiro de vocês e, com certeza, toda esta casa legislativa.
Parabéns a todas as mães-líderes, parabéns a todos os agentes de Pastoral, parabéns a todas as entidades parcerias e colaboradores que tem um pouco de participação nestes 25 anos de caminha solidária.
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