terça-feira, 24 de setembro de 2019

O minuto de silêncio que não foi possível


(Publicado no Diário de Canoas em fevereiro de 2017)
            A convalescência e morte de Marisa Letícia Lula da Silva oportunizaram manifestações contraditórias de memória coletiva brasileira. Houve gestos de solidariedade de personalidades públicas - ex-presidentes e o atual presidente da república, dentre outros –, de líderes e militantes sindicais e partidários com os quais Marisa foi liderança seminal. Os meios de comunicação repercutiram a dor e o luto desta finda trajetória histórica que enriqueceu o movimento social.
No entanto, indignas manifestações de ódio, rancor e ressentimento inundaram as redes sociais, comemorando a sua partida como um expurgo social.  Muitas dessas, justificadas em nome de Deus e de princípios cristãos. Ora, os princípios cristãos não pregam a tolerância, a paz e a solidariedade para estes momentos? Deriva da sabedoria bíblica a máxima popular: “Deus condena o pecado, mas ama o pecador”. A reação do Papa Francisco foi contundente: “Quando você comemora a morte de alguém, o primeiro que morreu foi você mesmo”.
Espero que tenha sido uma exceção e não uma regra o que ocorreu na sessão legislativa canoense do dia 7 de fevereiro, quando a vereadora Maria Eunice, com o apoio dos vereadores da bancada do PT, propôs um respeitoso minuto de silêncio. Em ato inédito, o presidente não acolheu a solicitação e a colocou em debate e deliberação do conjunto dos vereadores. Após 40 minutos, uma maioria de nove a sete impossibilitou o ato. Este debate está postado no Youtube: https://www.youtube.com/watch?v=hfTJwVpBVAo.
Argumentos de disputa de posição política ou de intolerância social não dão conta deste fenômeno. Identifico uma perda dos valores próprios do luto e da tradição representativa de legisladores em solidarizarem-se com os milhões de brasileiras e brasileiras que sofreram a perda desta mulher, esposa, sindicalista, militante política e ex-primeira dama por oito anos da república brasileira!
Ivo Fiorotti, vereador, teólogo e mestre em Memória Social e Bens Culturais.

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